O fenómeno morte na tradição Macua, fim de tudo?
Há uma concepção sobre a morte, difícil de entender, sobretudo quando relacionamos a realidade factual com a realidade “crença” de um Macua tradicional. A questão da realidade factual insere-nos à realidade de que, quem morreu já se foi, nada se pode fazer, muito menos ainda interferir na vida de “um ser” que sente o calor do sol.
Para um macua tradicional, a morte não é o fim, muito menos a descontinuidade das relações com os familiares vivos, como se concebe na realidade dos factos. A morte como irá mostrar-se neste grupo é considerada como uma “ponte” entre o mundo invisível e o mundo visível; entre o passado e o futuro.
E, por falar disso, os Macuas respeitam muito os seus defuntos. É por esta razão que, falar da questão do culto aos defuntos é um fenómeno de muita relevância entre os Macuas. Embora notabilizem-se rastros que indicam que tal prática (culto aos mortos) esteja presente nos mais diferentes povos da terra.
Em contrapartida, devemos entender que: um “O autêntico culto surge mais tarde, passado um certo período de tempo desde o acontecimento da morte, numa fase em que se estabelece um relacionamento durável entre os vivos e os mortos” (Martinez, 1995).
No entanto, não estou a referenciar neste artigo a morte como aquele “acontecimento do momento”, mas sim a morte como “aquele silenciar da voz” que perdura até todo o sempre, uma vez que é esse silenciar, em particular para um Macua, que é o mais preocupante.
Na realidade, não existe alguma coisa mais digna de fé, que ultrapasse a preocupação que um Macua tem em relação ao mundo invisível. A predominância da preocupação daquilo que não se vê comparativamente ao que se vê, tem como justificativa a residência de forças que não podem ser domesticadas.
É isso mesmo! Para um Macua tradicional a preocupação é muito mais inclinada para o mundo invisível, pois é lá onde residem as forcas que ele é incapaz de dominar e/ou domesticar. Aliás, na concepção do Macua tradicional, o invisível é um mundo sagrado, mundo de tabu, que por isso deve ser respeitado e nunca profanado. Mais do que isso, o mundo invisível é fundamento de grande parte das proibições uma vez que é la onde moram os defuntos.
Fora do que já referenciei sobre a morte até então, um Macua tradicional valoriza cabalmente o mundo invisível pelo facto de ser o destino de todo homem. Os bons, os maus, os ricos, pobres, baixinhos estão lá. E, a ideia de que o mundo invisível carrega todos os que fizeram o mal assim os que fizeram o bem, propõe à uma mentalidade de que o mundo invisível é a fonte do antagonismo entre bem e o mal. E, é por isso que Deus, sendo bom encontra-se no mundo invisível.
Assim, entre olhar a morte como rotura e um passo de continuidade, os macuas olham-na como uma mudança de estado. Uma vez perdida a vida, a pessoa muda do físico ao intangível; do visível ao invisível. É por isso que, ao ser sepultado um membro macua há uma série de rituais a serem observados. Trata-se de rituais que ajudarão a situar o defunto num mundo próprio. Tem-se em mente que, a inobservância de um só passo ou a omissão de algum ritual irá comprometer o caminho ao mundo invisível.
Outra realidade relacionada à morte é a questão de mediação. Não existem outras pessoas que podem levar o sofrimento, as lágrimas, as preces, etc. dos vivos à Deus senão os defuntos. É nisso que se exprime a continuidade da presença daqueles que não podem ajudar diretamente, mas podem mediar; não podem limpar lágrimas dos vivos, mas não estão indiferentes aos sofrimentos. Os mortos, assim são um passo necessário para se chegar à Deus.
Na tradição Macua, um membro da família quando morre a sua identidade não é apagada, ele vai continuar a pertencer a mesma e, até é visto como símbolo de união dos laços familiares. Em alguns casos, o nome pode ser “revestido” à um membro vivo, este processo que leva o nome de “Othelihiwa nsina”.
No entanto, quanto a questão de mediação, a ação interventivas é em primeiro lugar para a família de pertença. Assim, quando morre, por exemplo um chefe do clã, ele é venerado por todo clã, pois no caso da mediação falo-a para todo o clã. Quando morre um pai, será visto em primeiro lugar como quem intercede pela família que formou.